Por Julia Wiltgen (EXAME)
Os fundos de previdência privada, sejam fechados ou abertos, têm características próprias e vantagens tributárias em relação aos investimentos comuns. Ainda assim, muita gente pode ficar em dúvida quando a empresa oferece um fundo de pensão ou mesmo quando o gerente oferece um plano tipo PGBL ou VGBL. Será que é vantajoso mesmo? Depende. Existem sim algumas armadilhas que nem sempre estão claras, mas que cabe ao investidor evitar. Quem tiver caído em alguma delas pode migrar os recursos sem custo do fundo atual para outro fundo de previdência, usando a portabilidade.
A regra de evitar as altas taxas de administração não vale apenas para os fundos de investimento comuns como também para os de previdência privada. A maioria dos fundos de aporte inicial baixo oferecidos no varejo cobra altas taxas. Um estudo da consultoria NetQuant, especializada em previdência, já mostrou que a taxa de administração média dos fundos de previdência de varejo que investem apenas em renda fixa é de 2,85% ao ano. Essa taxa é mais alta do que a média praticada entre os fundos de renda fixa comuns, que, no varejo, é 2,39% ao ano, segundo a NetQuant.
Na renda variável a coisa não melhora. Fundos de previdência balanceados – que têm algum percentual em renda variável – têm taxa de administração média de 2,76% ao ano no varejo, segundo a NetQuant. Mas, segundo a Anbima, a média dos fundos multimercados comuns é de 1,85% ao ano para o segmento de varejo.
Assim como ocorre com os fundos de investimento comuns, as melhores taxas dos fundos de previdência são reservadas a clientes de alta renda. Contudo, no segmento de middle Market – aberto a investidores em geral, mas que requerem aportes iniciais um pouco maiores, de alguns milhares de reais – as taxas são bem mais atrativas e podem fazer o investimento valer a pena. Diretamente com seguradoras, por exemplo, é possível conseguir taxas de administração de até 1,5% ao ano. De acordo com o levantamento da NetQuant, a taxa média do segmento de middle Market é de 1,45% para fundos de renda fixa.
O ideal, portanto, é juntar dinheiro para optar por fundos de aporte inicial maior (os aportes mensais são geralmente mais acessíveis). Se o fundo investir 100% em renda fixa, o ideal mesmo é que a taxa não passe de 1% ao ano. Dependendo da política de investimento do fundo e do histórico de rendimentos, uma taxa máxima de 1,5% é tolerável. Para fundos com percentual em renda variável podem ser aceitas taxas em torno de 2% ao ano.
Mas se a sua empresa oferece fundo de previdência fechado (fundo de pensão), esta será a melhor opção, pois as taxas dos fundos de pensão são baixíssimas, quase simbólicas, e em geral imbatíveis no mercado.
Fundos de previdência privada geralmente contam com uma taxa adicional, a cada aporte, chamada taxa de carregamento. Ela come uma parte do valor aplicado antes mesmo de o dinheiro entrar no fundo. Ou seja, se você investe 100 reais e a taxa de carregamento é de 1%, apenas 99 reais serão, de fato, investidos.
Contudo, já é possível encontrar fundos abertos a pessoa física que isentam o investidor dessa taxa. Alguns grandes bancos já oferecem a taxa de carregamento regressiva, que com o tempo de investimento pode chegar a zero. Porém o ideal mesmo é investir em fundos que não cobram essa taxa, o que representa um custo a menos para minar a rentabilidade do investidor. A Caixa já oferece aos clientes fundos de previdência isentos dessa taxa, assim como algumas seguradoras. Fundos de pensão também são isentos dessa cobrança.
Cuidado com as simulações irrealistas na hora que seu gerente ou agente de investimentos oferecer um fundo de previdência. É fundamental que a rentabilidade média usada para simular quanto você vai ganhar na aposentadoria leve em conta a inflação do período e incorpore o patamar de juros mais baixo. Segundo especialistas, simulações com rentabilidade média de 6% ao ano já não são muito realistas. Seria mais indicado fazer a simulação diretamente utilizando a rentabilidade real (acima da inflação), que pode ser de algo como 2% ou 3% ao ano.
O atual patamar da Selic, de 5,5% ao ano, é um indicativo de que a era da rentabilidade de dois dígitos na renda fixa pode ter ficado para trás. Mesmo os maiores fundos de pensão já têm dificuldades de bater suas metas atuariais apenas com investimento em renda fixa. Se essa situação se prolongar ao longo dos próximos anos, o que é bem possível, o rendimento da renda fixa estará menor, ao mesmo tempo em que a inflação se mantém em patamares controlados.
Assim, a tendência é que o rendimento real dos fundos de previdência torne-se ainda mais modesto com o passar dos anos. Portanto, considerar o pior cenário para o seu planejamento é mais realista do que simplesmente aceitar simulações com altos rendimentos.
Um patamar mais baixo de juros torna mais difícil a acumulação de uma boa reserva para a aposentadoria em um fundo que investe apenas em renda fixa. Quem tem um bom tempo de acumulação pela frente e uma boa tolerância ao risco pode, portanto, considerar os fundos de previdência balanceados, que investem até 49% de seu patrimônio em renda variável e fazem esse percentual regredir à medida que o cotista se torna mais velho. A maioria dos fundos, porém, nem chega a tanto, não ultrapassando os 40% ou mesmo 20% em renda variável. Alguns fundos de pensão de empresas oferecem essa opção aos funcionários, administrando os recursos de acordo com a proximidade da aposentadoria.
Das duas modalidades de planos de previdência aberta mais comumente oferecidas no mercado, o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) permite que se abata o valor das aplicações no fundo num valor de até 12% da renda tributável, enquanto que o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) não permite esse abatimento. Acontece que o benefício do PGBL só é válido para quem faz a declaração completa de IR.
Como se trata apenas de um adiamento do pagamento do IR, e não de uma isenção, quem fizer um PGBL e usar a declaração simples vai, na prática, pagar o imposto duas vezes. Isso porque, na hora de resgatar os recursos no futuro, a alíquota de IR incide sobre todo o montante acumulado no PGBL, enquanto que, no VGBL, incide apenas sobre os rendimentos.
Essa vantagem do abatimento no imposto de renda pode também ser mal aproveitada por quem investe em PGBL. Apesar de a mordida do Leão ser mais pesada na hora dos resgates – uma vez que o IR é cobrado sobre todo o montante acumulado no fundo – quem investe em PGBL na realidade paga um pouco menos de imposto ao longo da vida do que quem investe em um VGBL nas mesmas condições. A diferença é que, no caso do VGBL, o pagamento do imposto é mais bem distribuído ao longo da vida, enquanto que no caso do PGBL a mordida é maior e concentra-se na hora do resgate.
Mas para bem aproveitar esse benefício, o investidor deveria destinar à previdência o montante que deixa de pagar de imposto anualmente, o que reduz ainda mais a incidência do IR e aumenta seu saldo ao final do período de acumulação. Suponha um investidor com renda anual de 100.000 reais, renda tributável de 80.000 reais e aportes de 3.600 reais por ano em PGBL (4,5% da renda tributável, portanto).
Como se enquadra na faixa mais alta do IR, sobre sua renda tributável incidirá uma alíquota de 27,5%. O imposto que ele pagaria sobre os 3.600 reais depositados em previdência anualmente equivale a 990 reais (27,5% de 3.600 reais). Se reinvestir essa quantia em seu PGBL todos os anos, com o tempo seu saldo acumulado será ainda maior, ganhando de longe de um VGBL nas mesmas condições. Mas isso só poderá ser feito, é claro, se o valor investido anualmente somado a essa quantia poupada com imposto ainda não ultrapassar o limite de 12% da renda tributável. No exemplo acima, os 3.600 reais mais os 990 reais poupados correspondem a apenas 6% da renda tributável do investidor.
Além de não terem a incidência do come-cotas e de permitirem abatimentos do IR na modalidade PGBL, os fundos de previdência privada abertos e fechados têm mais uma vantagem em relação aos fundos de investimento comuns: oferecem a possibilidade de o investidor optar por duas tabelas de IR, uma em que a alíquota aumenta de acordo com o montante acumulado (progressiva) e outra em que a alíquota diminui de acordo com o tempo de aplicação (regressiva).
À primeira vista, a tabela regressiva pode parecer mais vantajosa para quem pretende investir para a aposentadoria, uma vez que a menor alíquota de IR é de 10% sobre os ganhos após dez anos de aplicação. Já nos fundos de investimento comuns, a menor alíquota possível é de 15% após 720 dias de aplicação. Ou seja, para o longo prazo, parece mesmo uma boa ideia optar pela tabela regressiva de um fundo de previdência.
O primeiro problema da tabela regressiva – e o mais evidente – é que o resgate dos recursos antes do tempo pode custar caro para o investidor. Isso porque, até seis anos de investimento, as alíquotas de IR da tabela regressiva de fundos de previdência são mais altas do que a maior alíquota da tabela regressiva dos fundos de investimento comuns. Imagine ter que pagar 35% de imposto sobre os ganhos? Veja a comparação entre os dois tipos de tabela regressiva:
Portanto, quem optar pela tabela regressiva deve evitar a todo custo resgatar seus recursos prematuramente. Se quiser sair do fundo atual, o investidor deve fazer a portabilidade para outro fundo de previdência, aberto ou fechado, mais vantajoso.
Na hora de escolher entre tabela progressiva e regressiva, o investidor também pode cair em outra armadilha. No primeiro caso, a alíquota aumenta de acordo com o montante resgatado anualmente, havendo uma faixa de isenção e outra em que o percentual cobrado é de apenas 7,5%. Porém, para os valores de resgate mais altos, a alíquota pode chegar a 27,5%. Veja a comparação entre a tabela progressiva (à esquerda) e a regressiva (à direita):
Embora pareça mais atraente para quem pretende acumular um bom montante no longo prazo, a tabela regressiva nem sempre é a mais vantajosa. Se o benefício na aposentadoria for baixo, a tabela progressiva é melhor, pois permite ao beneficiário pagar 7,5% ou mesmo zero de imposto, caso se torne isento. Isso é particularmente interessante para quem fez um PGBL e se aproveitou do benefício tributário durante o período de acumulação.
Com a ação da inflação ao longo do tempo, é possível que mesmo aqueles que poupam muito hoje não recebam benefícios tão polpudos no futuro. Em 2012, eram isentos rendimentos de até 1.566,61 reais por mês; em 2019, o teto subiu para 1.903,98 reais. Assim, quem encarar a previdência privada apenas como uma complementação de renda deve ficar na tabela progressiva. Mas para quem estiver mais disposto a fazer um esforço de poupança para viver da previdência na aposentadoria, vale mais a pena optar pela regressiva.
Lembre-se apenas de que ao optar pela tabela progressiva, o investidor pode mudar de ideia no meio do caminho e trocar para a regressiva. O oposto, porém, não acontece. Uma vez escolhida a tabela regressiva não há mais volta.
Fonte: https://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/10-armadilhas-dos-fundos-de-previdencia-privada/
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Gustavo Rissardi
Analista Profissional de Investimentos CNPI 2328